terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Falta ousadia e criatividade em ações sociais para o futebol brasileiro

Por José Pedro Martins




O futebol brasileiro tem perdido ousadia e criatividade, isso é um fato. Essas duas características históricas do grande esporte nacional não têm entrado em campo, do mesmo modo, em termos de ações sociais, e ambientais, da chamada responsabilidade social. A preparação para a Copa de 2014 pode ser um momento estratégico para mudar esse jogo.

O final de 2011 foi novamente marcado por várias "peladas" entre os craques, deste e outro lado do Atlântico, com nobres propósitos sociais. Destaque para o jogo já tradicional entre os Amigos do Zidane e de Ronaldo "Fenômeno" contra "O resto do mundo". Neste ano a estrela das "peladas sociais" foi, claro, Neymar.

Mas o futebol e os boleiros brasileiros poderiam fazer muito mais. São estrelas internacionais, têm impressionante poder de mobilização. Poderiam ser melhor assessorados no sentido de atuar mais em causas sociais e ambientais de médio e longo prazo e não apenas em ações pontuais. Cafu, Roberto Carlos, Raí e Leonardo (com a Gol de Letra) e outros poucos criaram suas fundações e institutos, apontando para ações mais permanentes. O exemplo poderia ser melhor seguido. Os clubes, em particular, poderiam e deveriam ser mais proativos nessa trilha. Seria gol de placa.

No dia 29 de novembro passado, foi aberta no Museu du Quai Branly, em Paris, a exposição L´Invention du Sauvage (A Invenção do Selvagem), uma iniciativa da Fundação Lilian Thuram, criada pelo jogador de futebol que integrou a seleção francesa campeã do mundo de 1998. A sua Fundação, que tem como lema Educação contra o Racismo, se dedica a vários projetos para combater a intolerância, o racismo, a discriminação.

A exposição A Invenção do Selvagem documenta, em aproximadamente 600 obras, o relato de uma história de degradação, a das crianças, mulheres e homens que, entre 1800 e 1958, foram exibidos em circos, zoológicos, feiras coloniais e outros espaços. Seres humanos de vários continentes, exibidos com vários propósitos, mas sempre sob a perspectiva do branco ocidental em relação ao estranho, ao diferente.

Lilian Thuram sempre teve uma postura crítica e combativa contra o preconceito de forma geral e no futebol em particular. A Fundação que leva o seu nome acredita na educação, na cultura, como forma de superação do racismo. "Ninguém nasce racista, torna-se um", comenta a organização, que apoia várias ações educacionais e culturais contra o racismo e o preconceito. O que os jogadores brasileiros - muitos deles já foram vítimas de racismo - não fariam com relação a esse tema, em um país multicultural como o nosso? Sim, jogadores brasileiros já abordaram o assunto, mas muito mais poderia ser feito, pela força que o nosso futebol desperta no imaginário coletivo global.

E com relação à área da biodiversidade, por exemplo? O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta. Mas quantos jogadores de futebol já falaram do tema ou tiveram ações ligadas a ele? Já o zagueiro Carles Puyol, que não é exatamente um craque mas é lider do maravilhoso Barcelona e da seleção espanhola atual campeã mundial, é a mais nova estrela da campanha "Atua em favor da proteção dos orangotangos", um dos símios mais ameaçados de extinção. A campanha é fruto da parceria entre International Rescue Animal e Aliança das Nações Unidas para Sobrevivência dos Grandes Símios. A perspectiva é a de que, se nada de realmente sério for feito logo, os orangotangos das florestas de Sumatra e Bornéo desapareçam em 20 anos.

Outros exemplos pode ser citados. Mas por enquanto são suficientes para mostrar como nomes importantes do futebol também podem jogar muito bem em outros campos. Com a Rio+20, Copa de 2014 e Olimpíadas 2016, os futebolistas brasileiros e atletas em geral podem atuar mais em causas vitais para o futuro do planeta.



José Pedro Martins é jornalista e escritor, com vários livros em sustentabilidade, entre eles, "Jogo Verde, Jogo Limpo - 100 propostas para uma Agenda 21 Brasil do Esporte pela Sustentabilidade, o Turismo Sustentável, a Paz e a Diversidade Cultural" (Komedi, 2011)