PELO BRASIL


MASCARADOS DE POCONÉ:
ARCO-ÍRIS QUE DANÇA

Por José Pedro S.Martins



      O multicolorido entra em cena, sob a luz da lua cheia e um céu salpicado de estrelas. São os Mascarados de Poconé (MT), uma das mais misteriosas e reluzentes faces da cultura popular brasileira.


       Homens distribuídos em pares, metade deles vestida de mulher, como reza a tradição, para compor um bailado sincopado, sob o comando de balizas que carregam as imagens dos santos preferidos: Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Um exemplo da diversidade da cultura popular brasileira,  que terá oportunidade de ouro para se mostrar ao mundo, em função da Copa de 2014. 



     A apresentação ocorre na piscina do Hotel SESC Porto Cercado, a pouco mais de 40 km de Poconé, onde moram esses homens que encarnam a mestiçagem típica do Brasil. Mas os Mascarados de Poconé não param, eles são convocados para apresentações em todo país, brilhando sempre em festivais tradicionais como o de Olímpia, no interior de São Paulo.


       Influências da cultura portuguesa e espanhola estão presentes, mesclando com as raízes indígena e negra. Tudo faz sentido. Poconé tem 234 anos. Foi fundada em 1777, por Luiz Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no contexto da criação naquela época de várias vilas e freguesias, em vários pontos do Brasil, mas sobretudo na região central, como forma de proteger o território das incursões espanholas, que continuavam fortes.


      Portugal e Espanha disputando, então, aquelas terras ricas em natureza e em minérios, descobertos aqui e ali pelos colonizadores brancos. Beripoconé foi o primeiro nome, derivado da denominação de um povo indígena que habitava a região e que, como outros parentes, foram duramente massacrados ao longo da história brasileira.

     A Ata de Fundação do Arraial de São Pedro d´El Rey, de 1781, já excluía o nome original, como uma forma de “limpar” as influências nativas. Mas a força das raízes é insuperável, e logo em 1831 a localidade foi elevada a vila, com o nome de Poconé. Em 1863 Poconé já era cidade.

     O mesmo vigor das raízes é demonstrado pelos dançarinos Mascarados, onde quer que se apresentem. Eles mesmos confeccionam suas roupas policromáticas, chapéus e demais adereços, com muita lantejoula e brilho. Talvez um reflexo da mineração que continua em Poconé, agora com maiores cuidados, para se evitar os impactos ambientais ocorridos durante anos.

      A música é proporcionada por uma banda que lembra muito os grupos que sempre se apresentaram pelos coretos que continuam alegrando a alma nacional. Pistons, tambores, pratos, saxofone e tuba são os instrumentos  conduzindo os vários ritmos que movimentam os pares de dançarinos. O clímax se dá com a trança de fitas.
      Estudos indicam que os Mascarados, no formato atual, existiriam desde 1915 em Poconé, embora suas raízes sejam ancestrais. Próximos de fazer 100 anos, portanto, os Mascarados de Poconé continuam desfilando, por todo Brasil, o multicolorido e a diversidade étnica e biológica do Pantanal. É o arco-íris que dança, sob a luz do luar ou o sol causticante daquela maravilhosa região.   

NO SUL DE MINAS, BATE O CORAÇÃO DO
MELHOR FUTEBOL DO MUNDO

José Pedro Martins
Para jogar futebol como Pelé, só mesmo tendo três corações. Em 2008, o Brasil e o mundo lembram os 50 anos do aparecimento do tricordiano Edson Arantes do Nascimento como o maior jogador de todos os tempos. Foi na Copa de 1958, quando o menino magro, meio desajeitado, deu um chapéu espetacular no zagueiro e garantiu a magra vitória de 1 a 0 contra o País de Gales. Brasil campeão, o primeiro de cinco títulos mundiais, era o começo da trajetória impressionante do sul-mineiro genial, que completou 70 anos há alguns meses.
Nascido a 23 de outubro de 1940, Pelé passou poucos anos na cidade natal, onde João Ramos do Nascimento, o querido pai Dondinho, jogou no Atlético. A família se transferiu para Lorena (SP) quando ele ainda tinha dois anos. Depois, por pouco tempo, a família morou em São Lourenço, onde João Ramos do Nascimento, o querido pai Dondinho, jogou no Vasco.
A estadia em São Lourenço foi curta, mas o suficiente para que o menino iniciasse ali o encanto pelo futebol, vendo as partidas do pai habilidoso. E também foi ali que nasceu o apelido. Edson ficava maravilhado com as defesas do goleiro do Vasco, Bilé, a quem chamava “Plé”. José Lino da Conceição Faustino, o Bilé, era de Dom Viçoso, a 20 quilômetros de de São Lourenço. A mutação para Pelé foi natural, coisa de língua enrolada de criança.
Foi assim, rápida, a passagem de Pelé pelas origens sul-mineiras. Mas as sementes tinham sido lançadas ali, irrigadas pelas águas sinuosas do rio Verde, em Três Corações, e pelas águas milagrosas das fontes de São Lourenço. Com um nome de batismo em homenagem ao inventor da lâmpada e do cinescópio, Thomas Edison, a arte brilhante de Pelé iluminaria para sempre o futebol brasileiro, consagrado como o melhor do mundo a partir do filho da doce Celeste.
Pois no Sul de Minas, berço do Atleta do Século, o coração do futebol brasileiro continua batendo, forte, na trajetória de vários clubes importantes na história do esporte que é paixão nacional. São muitos destaques, e o primeiro aqui é a Associação Atlética Caldense, um dos mais conhecidos e vitoriosos clubes da região, campeã mineiro de 2002 e campeã do Interior de Minas Gerais em 2004.
História quase centenária
A Caldense foi fundada a 16 de novembro de 1925, por amantes do futebol originários de clubes fundados anteriormente, como o Foot-Ball Club Caldense, criado em 1904, o que o tornaria, se ainda estivesse em atividade, um dos mais antigos do Brasil. Remanescentes de outro clube criado no começo do século, o Internacional Futebol Clube, igualmente contribuíram para a fundação da Associação Atlética Caldense, que teve como primeiros dirigentes João de Moura Gavião (presidente), professor Hugo Sarmento (vice-presidente), Romeu Chiacchio (primeiro secretário), Cherubim Borelli (segundo secretário) e Caetano Pereira (tesoureiro). A primeira diretoria foi eleita na sede provisória, a Photografia Selecta (de propriedade de João de Moura Gavião), na avenida Francisco Salles, bem pertinho do Hotel Lafayette, um dos endereços para a estadia na aristocrática Poços de Caldas, que já se firmava como uma das principais atrações turísticas do Brasil na época. A data considerada de fundação é 6 de novembro de 1872, quando o capitão José Bernardes Junqueira doou parte de suas terras para a estruturação do núcleo urbano em área já conhecida por suas fontes de águas sulfurosas.
No dia 3 de abril de 1926 ocorreu a fusão entre a Caldense e o Gambrinus F.C, sob a presidência de Bruno Fosco Pardini, hoteleiro e jornalista nascido na Itália, tendo sido editor, em 1916, de “A voz do trabalhador” (nas décadas de 1910 e 20 Poços de Caldas tinha forte movimento operário, de inspiração anarquista). Até o final da década de 1950 a Caldense teve várias sedes, entre elas o Palacete Cobra (antigo Cassino Gibimba, muito popular), na praça Pedro Sanches, e o nobre Politeama, na avenida Francisco Salles.
Entre as décadas de 1920 e 1940 Poços de Caldas viveu o auge do turismo, quando funcionavam os cassinos e o Palace Hotel, entre outros, eram locais de estadia de grandes nomes da política, da economia e da cultura do Brasil. Uma suite especial no Palace Hotel era reservada ao presidente Getúlio Vargas. Entre outros “monstros sagrados”, freqüentaram a cidade na época o jurista Rui Barbosa, o “Pai da Aviação” Santos Dumont, a estrela Carmen Miranda, os grandes nomes da música brasileira Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Carlos Galhardo e Silvio Caldas. A argentina Libertad Lamarque também esteve na cidade na época.
Enquanto a elite brasileira passeava pela cidade, a Caldense continuava a crescer e a apaixonar, pela atuação de craques como Odilon Domingues Júnior, o Zito, que jogou no time entre 1936 e 37, antes de se destacar por equipes como a Portuguesa de Desportos e Atlético Mineiro. Na década de 1940, passou pela Caldense o jogador Mauro Ramos, que se destacaria depois no São Paulo até se tornar campeão mundial pelo Brasil em 1958, apesar de ter ficado entre os reservas. Já no Santos, seria o capitão da equipe bi-campeã mundial, em 1962, no Chile.
O declínio do turismo em Poços de Caldas ocorreu a partir da proibição do jogo no Brasil, em 1946 (pelo Decreto-Lei 9.215, assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, segundo alguns por influência da mulher, Carmela Leite Dutra, a Dona Santinha, católica fervorosa), e da descoberta do antibiótico (pesquisas da penicilina em 1928 e 29 por Alexander Fleming, produção industrial desde 1940), a partir da qual diminuiu a busca das águas antes indicadas pelos médicos para vários tratamentos. De qualquer modo, prosseguiu o charme irresistível da cidade cercada de serras por todos os lados - Serra de São Domingos ao Norte, Serras do Gavião e do Caracol ao Sul, Serra do Selado e Serrote do Maranhão a Leste, e Serra de Poços de Caldas a Oeste.
Neste cenário deslumbrante o interesse pelo futebol se tornou cada vez maior, sobretudo após a espetacular conquista brasileira na Suécia, em 1958. Entre 1960 e 61 uma campanha legendária, quando a Caldense somou 57 partidas invictas, atraiu atenções nacionais para o clube. A euforia se concretizou no ano seguinte, quando, na presidência do Dr. Antonio Megale, foi oficializada a doação pelo benemérito Cristiano Osório de Oliveira Filho da área em que foram construídos o campo de futebol e outras instalações.
Uma das escalações mais famosas da Caldense é da década de 1970, quando o time contava com o genial meio-campista Ailton Lira (depois Santos e São Paulo, entre outros), Neto, (depois Santos), o zagueiro Buzuca e o goleiro Walter Tambaú (depois Palmeiras de São João da Boa Vista). Carlos Alberto Silva, que se tornaria o técnico do Guarani de Campinas, campeão brasileiro em 1978, se projetou exatamente com a Caldense no período.
Outro Walter, o Casagrande Júnior, jogou na Caldense no começo da década de 1980. Ele foi emprestado, para ganhar experiência, pelo Corinthians. Em março de 1981, em jogo memorável, Casagrande atuou pela Caldense na disputa com a seleção brasileira que se preparava para a Copa da Espanha, no ano seguinte. Jogou contra Socrates, que viria a ser seu grande companheiro de “Democracia Corinthiana”. Em 1979 foi inaugurado o Estádio Municipal “Ronaldo Junqueira”, onde a Caldense passou a mandar seus jogos. O antigo estádio foi desativado, e o espaço transformado em outras instalações desportivas.
Em 2002 a grande conquista da Caldense, com o título de campeã mineira. A final, no dia 5 de maio, foi disputada contra o Nacional de Uberaba, e Gustavinho e Carioca marcaram para a Caldense. Dois anos depois, campeã do Interior.
Grandes e significativas vitórias, no momento em que o poder público local, em conjunto com a sociedade, busca resgatar a força vibrante do turismo na “Cidade das Rosas”, como Poços de Caldas também é conhecida. Os vôos do periquito, símbolo da Caldense (saiba mais no site oficial: http://www.caldense.com.br/), espelham o vigor e a graça do futebol no Sul de Minas Gerais. 

José Pedro Martins é jornalista e escritor, autor, entre outros livros, de “O Tetra no País do Surreal” (co-autoria com Maria do Rosário Lino), de 1994.


       

PANTANAL: NOVOS OLHARES
PARA O SÉCULO 21

Por José Pedro Martins

Muita água, muita vida no Pantanal, localizado na gigantesca
 bacia do Rio Paraguai (Fotos José Pedro Martins) 


      Uma imensidão de água e verde, a vida saltitando com os rebanhos enormes de bois e búfalos, veados e capivaras, os vôos rasantes de pássaros tagarelas, os preguiçosos banhos de sol de uma multidão de jacarés. A vida respira, transpira e conspira no Pantanal, paraíso de 147.574 quilômetros quadrados e que integra a Bacia do Alto Paraguai (BAP), uma vastidão de 362.376 km2 somente em território brasileiro. Uma diversidade biológica aparentemente inesgotável, mas os sinais de degradação são notórios e inquietantes. O pior exemplo do que pode ocorrer com a ocupação desordenada e insustentável no Pantanal é a degradação na Bacia do Rio Taquari, integrante da BAP. A devastação na Bacia do Taquari é um dos maiores desastres ambientais no Brasil, embora ainda pouco citado nas antologias dos crimes ecológicos do país.
     Mas um novo tempo acena no horizonte para o Pantanal. A região vive a perspectiva de um desenvolvimento de fato sustentável no século 21, pela soma de ações de vários atores que confiam na ocupação ordenada do território, como fruto de políticas públicas que considerem a grande contribuição da ciência, que respeitem os ritmos peculiares e a cultura regional e que conciliem a preservação e uso sustentável dos impressionantes recursos naturais, com os sonhos e aspirações do povo que ali vive: os ribeirinhos, os pescadores artesanais, os indígenas, os pequenos lavradores, os pecuaristas, o pantaneiro que ama sua terra.   
     Um esboço da aliança pelo desenvolvimento sustentável do Pantanal foi indicado no 5º Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal (Simpan), de 9 a 12 de novembro em Corumbá (MS). Evento promovido pela Embrapa-Pantanal, com patrocínio da Petrobrás e apoio de várias instituições. Dezenas de pesquisadores reunidos, mostrando trabalhos em diversas áreas. Conhecimento sobre práticas sustentáveis no Pantanal não falta. A sociedade brasileira deveria saber melhor o que está sendo feito por lá.  
      Duas novas instituições científicas foram criadas nos últimos anos, na órbita do Ministério da Ciência e Tecnologia, voltadas direta ou indiretamente para o Pantanal. Foram o Centro Nacional de Pesquisas do Pantanal (CNPP), sediado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas, mais conhecido como INAU, igualmente sob a coordenação da UFMT. Sinal claro de que algo está mudando na atenção o Pantanal. A região é riquíssima em recursos naturais. São múltiplos interesses econômicos que se voltarão para lá. É preciso um olhar novo e mais atento da sociedade nacional para o Pantanal, como ótimo caminho para evitar a degradação nesse paraíso.   

ESPECIAL PANTANAL - I

PECUÁRIA SUSTENTÁVEL NÃO PODE SAIR DA TRILHA


Oferta alimentar é ampla para o gado bovino pantaneiro,
mesmo nos períodos de estiagem intensa 


Boi fistulado, para que os pesquisadores possam investigar
 os hábitos alimentares e processo digestivo do rebanho pantaneiro  


Capão, rico em diversidade vegetal, é opção de
alimentação de gado bovino na região  


Wellinton Ferreira, estudante de Geografia da UFMT, que ajudou
a mapear evolução do rebanho bovino no Pantanal


        Desde o início do século 18 a pecuária tem sido praticada no Pantanal, considerado o bioma brasileiro melhor preservado. Não ocorreu, como está em curso na Amazônia, desmatamento intensivo para a geração de pastagens, conforme indicou estudo coordenado pela Embrapa-Pantanal, e que contou com a participação de várias ONGs.  O gado pantaneiro se alimenta das pastagens naturais e cultivadas, mas mesmo no período de secas a oferta alimentar é grande. Os animais buscam alimentos até nos capões, manchas de árvores espalhadas, como se fossem ilhas, em áreas de campos. Os capões chegam a ter dezenas de espécies vegetais.
      Em vários pontos do Pantanal já ocorre a pecuária orgânica, e há uma forte tendência de ampliar a pecuária certificada na região, lembra o presidente da Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), Leonardo Leite de Barros. "O consumo consciente veio para ficar", ele afirmou, em mesa-redonda dia 10 de novembro de 2010, no 5º Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal (Simpan).
       O Pantanal tem cerca de 4 milhões de cabeças de gado, 2% do rebanho brasileiro, de 200 milhões de cabeças, um dos maiores do planeta. Somente o estado do Mato Grosso tem 26 milhões de cabeças, com grande incremento entre 1998 e 2005, de 37,15%, segundo estudo de Wellinton Nardes Ferreira, acadêmico, e Onélia Carmem Rossetto, professora de Geografia, da Universidade Federal do Mato Grosso (MT). O Pantanal tem cerca de 9% do gado matogrossense, também com aumento importante entre 1998 e 2005. A crise e descapitalização dos produtores em 2006 afetaram o crescimento do rebanho na região. Os autores notam que o incremento no período 1998-2005 é atribuído por Rossetto (2005)  "ao aumento da competitividade da pecuária bovina no Pantanal, que passa por um processo de modernização das técnicas de manejo, adotando práticas mais intensivas que incluem a substituição das pastagens nativas pelas exóticas e o aumento gradativo dos insumos químicos". Eles citam o estudo "Peões e fazendeiros do Pantanal Mato Grossense: Identidades Pantaneiras em (Re) Construção", de 2005, in "Estudos Regionais Sul-Americanos. Sociocultura, Economia e Dinâmica Territorial na Área Central do Continente", Cuiabá, MT, EdUFMT.
     Estudo específico sobre o desmatamento em Corumbá, que tem quase metade de seu território no Pantanal, mostrou uma evolução entre 1998 e 2005. Entre 1994 e 2008 foram expedidas 384 autorizações de desmatamento no município, sendo 294 entre 1998 e 2005. Somente entre 2003 e 2005 foram 159 autorizações. A 27 de dezembro de 2006 foi expedida a Lei Estadual 3.348, proibindo o desmatamento por 12 meses na área da planície pantaneira alagável, como notou o estudo "Área desmatada no município de Corumbá no período 1994-2008", de Sandra Mara Araújo Crispim, Urbano Gomes Pinto de Abreu e Luiz Alberto Pellegrin.  Corumbá é o município com maior rebanho bovino no Brasil, com quase 2 milhões de cabeças.
      A pecuária pode continuar sendo conduzida de forma sustentável no Pantanal. Os pesquisadores da Embrapa-Pantanal e várias outras instituições têm muitos estudos que podem ser seguidos. Eles já avaliaram os três modais de transporte do gado (em comitiva, rodoviário e fluvial, ambos com enormes problemas a serem superados), os hábitos alimentares dos animais (utilizando-se bois fistulados) e a rentabilidade da pecuária com e sem pastagem cultivada, entre outros aspectos. O que pode e deve ser feito já é conhecido, políticas adequadas para a continuidade da pecuária em bases sustentáveis no Pantanal são perfeitamente possíveis.          

ESPECIAL PANTANAL - II

    ALTERNATIVAS ECONÔMICAS SUSTENTÁVEIS

Maciço do Urucum, rico em ferro e manganês,
mas também múltiplo em biodiversidade


Chatas transportam minérios pela bacia do rio Paraguai,
onde outras opções econômicas já são estudadas


Vegetação pantaneira está sendo estudada, a respeito do
seu potencial para transformação em biocombustíveis


Imensidão de água no Pantanal, inserido na Bacia do Rio Paraguai,
propicia pesca artesanal e profissional, e que pode ser sustentável 

       O Maciço do Urucum propicia uma bela moldura para Corumbá, município que tem 60% do Pantanal do Mato Grosso do Sul e 37% do Pantanal brasileiro, sendo absolutamente estratégico, portanto, para a reflexão sobre o futuro da região. O Maciço concentra importantes reservas minerais, com destaque para ferro hematita e itabirita e manganês. A exploração mineral é feita desde a década de 1930. Os minérios são transportados por caminhões e chatas que circulam pela imensidão da bacia do Rio Paraguai, em direção aos mercados consumidores.
      Mas o Maciço do Urucum é muito mais do que a extração mineral. Estudos de pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul  (UFMS) e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) apontaram a existência de dezenas de sítios arqueológicos em toda planície pantaneira, mas também no Maciço do Urucum. Populações indígenas ceramistas tupi-guaranis teriam vivido por ali.
      Estudo de Edileuza Medeiros de Jesus (Embrapa-Pantanal) e outros mostrou que ao longo de todo ano ocorre a floração de espécies apícolas no Maciço do Urucum. Outro estudo, de Nazaré Flávia de Abreu e outros (UFMS), indicou que na área de mata preservada no Maciço do Urucum existe importante banco de sementes, propício para favorecer a regeneração de áreas degradadas. Por sua vez, estudo de Walfrido Moraes Thomas (Embrapa-Pantanal) e outros identificou o Maciço do Urucum e morros calcários adjacentes como área prioritária para conservação da biodiversidade no Pantanal, considerando a presença endêmica de várias espécies (pela própria peculiaridade da formação rochosa) e  o desconhecimento sobre espécies e grupos que ocorreriam apenas ali, como fungos, líquens, invertebrados, ictiofauna, algas e briófitas.
     Diversas alternativas econômicas sustentáveis já estão sendo estudadas, com base nos impressionantes recursos naturais do Pantanal. A região tem pelo menos 263 espécies de peixes catalogadas. Uma das principais ações em curso é o Programa Aquabrasil, coordenado pela Embrapa-Pantanal. É um dos mais amplos programas de pesquisa em curso no país, envolvendo 16 unidades da Embrapa, várias universidades públicas e particulares, centros de pesquisa e empresas privadas.
     O propósito do Programa Aquabrasil é o melhoramento genético de quatro espécies, três delas típicas do Pantanal: tilápia, tambaqui e pintado. A outra espécie é o camarão marinho. Somente uma espécie de tilápia, a GIFT, pode ter um ganho de 15% de peso a cada geração melhorada. É muito possível que daqui a pouco mais de dez anos os hábitos alimentares dos brasileiros possam mudar muito, com maior presença de peixe no cardápio, com melhoria na saúde do consumidor e geração de renda para milhares de pessoas. Quibe, empanado e hambúrguer produzidos a partir de carne mecanicamente separada de cachara já são fabricados experimentalmente em Corumbá, que a cada dia se consolida, então, como importante laboratório ao ar livre de importantes ensaios visando o desenvolvimento sustentável do Pantanal.
      O cachara é cultivado em tanques-rede em Corumbá. O desenvolvimento da piscicultura no Pantanal deve considerar a ecologia da região. Os tanques escavados apenas são possíveis no Planalto. Já a Planície, com alagamento em boa parte do ano, inviabiliza a prática. O desenvolvimento da aquicultura é, de fato, uma das mais sólidas alternativas econômicas baseadas no Pantanal, mas existem outras. A produção de biocombustível a partir da bovaiúva e do aguapé é uma das linhas pesquisadas.
      Mas o Pantanal tende a ser considerado, cada vez mais, pelo que ele representa em termos de serviços ambientais, como o controle de cheias e captura de gás carbônico por sua vegetação, além da enorme biodiversidade, de valor biológico, econômico e social incalculável. Mas conquistar essa percepção depende de uma mudança cultural profunda, a respeito do verdadeiro valor dos biomas: um dos grandes desafios do século 21.


ESPECIAL PANTANAL - III

O RICO MOSAICO SOCIAL E CULTURAL PANTANEIRO

A diversidade e riqueza da cultura pantaneira, exibida na abertura do
5 Simpan, em Corumbá, a 9 de novembro de 2010


Dra. Emiko Kawakami de Resende, 25 anos na
Embrapa Pantanal: conhecimento acumulado  


Américo de Sousa, exemplo de trabalho anônimo, na base
da ciência que está sendo construída sobre o Pantanal

       Em agosto de 1985, a dra.Emiko Kawakami de Resende chegava em Corumbá (MS), para trabalhar na Embrapa Pantanal. Era o Ano Um da chamada Nova República, momento novo na história do Brasil, depois de 20 anos de ditadura militar. O país vivia novos ares, e a bióloga nascida na região de Avaré (SP) e formada na USP, onde também fez Oceanografia, começava nova etapa de sua vida pessoal. Ela seria mais um exemplo de vários cientistas que passaram a dedicar a sua vida a compreender, a entender, a conhecer melhor o Pantanal, essa exuberância de vida à flor da pele da Terra.
      "Sempre fui apaixonada por peixe", confessa a dra.Emiko, resumindo uma de suas motivações para se decidir pela mudança para Corumbá. Pois em 25 anos a especialista foi testemunha e protagonista de uma revolução silenciosa. Foi o avanço impressionante do conhecimento sobre o Pantanal, graças ao esforço desses pesquisadores, de instituições como Embrapa-Pantanal, UFMS e UFMT, entre outras, além do empenho anônimo e generoso de pessoas como Américo de Sousa. Aos 62 anos, pescador desde os 12, conhece "tudo", portanto, da dinâmica dos rios pantaneiros. E metade dessas cinco décadas de vivência direta com as águas da bacia do Paraguai foi dedicada justamente ao apoio a pesquisas feitas pelos especialistas da Embrapa e outras organizações.
      Com sete filhos, Américo diz que "deve tudo" aos rios, aos peixes. E pelo trabalho que vem executando foi um dos homenageados, dia 9 de novembro, no Centro de Convenções do Pantanal, em Corumbá, na abertura do 5º Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal (Simpan).
     São pessoas como essas que têm propiciado um novo panorama para o Pantanal, que tem a possibilidade de seguir caminhos de desenvolvimento de fato sustentáveis. Caminhos que considerem as peculiaridades do bioma, e também as demandas, os sonhos e desafios de sua população. 
     Os pantaneiros são apaixonados pelos rios, pelos animais, pela vida da região. Mas são inúmeras as suas dificuldades, como mostram vários estudos. Uma pesquisa do engenheiro agrônomo Marcos Henrique Garcia dos Anjos (UFMS) e outros, junto a 35 famílias, somando 198 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a pesca artesanal em Porto Murtinho (MS), constatou alguns desafios importantes, como a disparidade em indicadores de qualidade de vida em quem mora na zona rural e urbana. 
     Na zona rural, 57,14% não tinham documento de posse da moradia, e 21,4% moravam em casa cedida. Na zona urbana, 57% tinham casa própria. Mesmo assim, somente 5% das casas (apenas uma delas) na cidade contavam com esgoto e 48% se utilizavam de fossa séptica. Na zona rural, 64% consumiam água tirada de poço e, na cidade, 95% eram servidos pelo sistema da Sanesul.
     Perfil semelhante foi encontrado entre os pescadores artesanais de Aquidauana e Anastácio, também no Mato Grosso do Sul, em pesquisa do mesmo Marcos Henrique Garcia dos Anjos e outros. Um dos dados curiosos apurados foi o de que 96,5% dos pescadores entrevistados manifestavam que pretendiam manter-se na profissão, mas 77,1% não desejavam que os filhos seguissem o mesmo caminho.
     Ferramentas importantes para avaliar a situação e contribuir para a melhoria das condições de vida da população pantaneiras também têm sido desenvolvidas pelos pesquisadores. O historiador Marcos Tadeu Borges Daniel Araújo (assistente de pesquisa da Embrapa-Pantanal) e outros desenvolveram uma grade de indicadores sócio-culturais para moradores de fazendas no Pantanal. São considerados os indicadores de Trabalho e Renda, Saúde, Educação, Habitação e Infraestrutura, e Lazer/Comunicação/Cultura.
        Uma ferramenta importante, que tende a se multiplicar no cenário do uso sustentável de recursos naturais em biomas como o Pantanal e Amazônia, é o zoneamento socioeconômico. Um trabalho de Cristhiane Oliveira de Graça Amâncio (da Embrapa Agrobiologia) e outras foi feito junto aos ribeirinhos da Comunidade do Castelo, em Corumbá. O zoneamento socioeconômico revelou, entre outros pontos, que 59% dos entrevistados tinham somente o primeiro ciclo do ensino fundamental completo, o mercado local ainda funciona basicamente por meio do escambo e que, com a decadência da pecuária, o peixe assume cada vez mais o papel de gerador de proteína animal. "Não diferente das outras comunidades pesquisadas, a comunidade aqui apresentada tem sofrido com a ausência de políticas públicas para a região ribeirinha", afirmam as autoras do estudo, um dos vários mostrados no 5º Simpan, de 9 a 12 de novembro, em Corumbá.  


        ESPECIAL PANTANAL - IV

A DURA (E DIGNA) VIDA NAS FAZENDAS EXPERIMENTAIS


A professora Roseli e seus quatro alunos na "classe" da
Fazenda Nhumirim, da Embrapa Pantanal

Marcos Tadeu Araújo, "faz-tudo" na Fazenda Nhumirim,
da Embrapa Pantanal, na região da Nhecolândia


Sebastião de Jesus e a esposa viveram anos na Fazenda da
Embrapa Pantanal e lá criaram as seis filhas 


Armadilha para répteis na Nhumirim, utilizada como ferramenta
para indicadores de sustentabilidade: o esforço da ciência


A identidade do pantaneiro com a ecologia regional foi comprovada, entre outros, pelo estudo de Bruna Fina e Adriana Takahasi, da UFMS. Elas constataram que a comunidade de moradores da Fazenda Experimental da UEMS, em Aquidauana, demostrou total conhecimento sobre plantas medicinais. Foram levantados nomes comuns e usos para 63 espécies.
     Os moradores e assistentes de pesquisa das fazendas experimentais no Pantanal formam, de fato, um dos mais importantes capitais sociais de conhecimento sobre a região. São pessoas vivendo a centenas de quilômetros dos centros urbanos, onde vão de vez em quando, transitando por estradas de terra. Em época de cheias, quase impossível fazer a travessia. Internet, nem pensar, celular só de vez em quando, energia elétrica apenas com gerador, e até 10 da noite. Depois, só lampião ou a bela luz do luar e das estrelas que, sem a concorrência da iluminação artificial da cidade, exibem todo seu esplendor.
      A vida nas fazendas experimentais é feita por pessoas como o historiador Marcos Tadeu Borges Daniel Araújo, assistente de pesquisa da Embrapa-Pantanal. Ele auxilia todos pesquisadores que vão à Fazenda Experimental Nhumirim, na região pantaneira da Nhecolândia. São 160 km de distância, cerca de cinco horas de viagem de Corumbá até lá, quando a estrada de terra permite. Marcos Tadeu já saiu várias vezes à noite atrás de jacarés marcados ou para auxiliar nas instalações para observar um morcego, uma coruja ou outro animal noturno. Marcos já viu de tudo, mas admite ter ficado impressionado com o "sumiço" das 100 baías de água que a fazenda tinha, com água praticamente o ano todo. Sinal das mudanças no clima, sem dúvida, ele acredita.
      A Fazenda Nhumirim é um exemplo primoroso da dificuldade de se fazer ciência. São muitos desafios a serem superados, para observar um veado pantaneiro ou um porco mateiro, entre outras espécies. Pesquisadores da Embrapa montaram na fazenda, entre outros experimentos, uma cerca com uma tela, com um buraco no chão, no final dela. O objetivo é que serpentes e outros répteis, ao entrar em contato com a cerca, sejam induzidos por ela até o buraco, onde permanecem.
       Depois os pesquisadores os retiram para observação e em seguida os soltam novamente, na natureza. Essa "armadilha" é utilizada como ferramenta para avaliação de indicadores de sustentabilidade em um determinado território: a presença de tal ou qual espécie ajuda a explicar o equilíbrio ambiental nessa área.
     A "armadilha" é cuidada por funcionários como Sebastião de Jesus, que morou com a esposa e seis filhas durante anos na Fazenda.  "Elas foram criadas aqui", ele conta. " Tiãozinho" é outro que "sabe tudo" das entrâncias e reentrâncias da Nhumirim, com conhecimento prático fundamental para múltiplas pesquisas. Há 12 anos na fazenda da Embrapa Pantanal, marcos José Miranda Alves é o responsável pela estação agrometeorológica, que transmite informações via satélite para a rede nacional.
      E a educação, a base de tudo, fazendo milagres também na Nhumirim. Uma pequena sala é o espaço onde a professora Roseli de Pinho Lima dá aula para quatro alunos, filhos de moradores da própria Nhumirim e outras fazendas próximas. Ela permanece cerca de um mês na fazenda, e depois volta para uns quatro ou cinco dias em Corumbá.
    A "classe" é multisseriada. Os alunos estão no primeiro e segundo anos do ensino fundamental. Passam o dia todo na escola, onde almoçam e fazem outras refeições. São várias horas na ida e vinda da escola para casa e vice-versa. Roseli já havia trabalhado na alfabetização de ribeirinhos, às margens do rio Paraguai. "É muito bom ver como as crianças chegam crus e depois de algum tempo já mostram avanços", diz a educadora. "A educação é fundamental para  melhoria da vida dos pantaneiros, para que eles sejam cidadãos cada vez mais críticos e solidários", define Roseli, mais um personagem que está ajudando a construir um novo Pantanal, o portal de um novo Brasil.         


O NORDESTE QUE ENCANTA
E MERECE MUITO RESPEITO

O Nordeste é efervescente, o Nordeste é criativo, o Nordeste é vida a todo vapor e por todos os poros. O Nordeste transforma ônibus em barco, o Nordeste reúne a arquitetura colonial e a conexão com o mundo dos satélites, o Nordeste é fé e religião e o Nordeste sonha um novo futuro. O Nordeste vem sofrendo com o preconceito e com a intolerância, mas o Nordeste continuará sol, mar, areia e água. O Nordeste merece muito respeito. (Texto e fotos José Pedro S.Martins)


Criatividade nordestina: o ônibus-barco, ou será o barcônibus?
Travessia de Lucena para Cabedelo (PB)



O barquinho ainda vai ao mar aberto, à busca
 do delicioso peixe nosso de cada dia, em Lucena.



Igreja de Nossa Senhora da Guia, do século 16, e
à frente cemitério, em Lucena: fé e devoção.


Sede de antigo engenho de cana, transformado em casa do
Centro Piollin, referência cultural do Nordeste, em João Pessoa


O Nordeste promove o diálogo de hip-hop e capoeira, no Centro da
Juventude do Mangabeira, em João Pessoa.


Igreja de São Francisco, em João Pessoa, monumento barroco e residência
 de governador na ocupação holandesa: o lindo Brasil mestiço foi forjado no Nordeste 



Torre de televisão em João Pessoa, estilo futurista nos anos 70:
 o Nordeste conectado com o futuro que já chegou


Atividade cultural no CEFEC, em Santa Rita (PB), construído por Irmãs da
Providência e cobertocom apoio do Fundo Juntos pela Educação: o Nordeste tem muita esperança



DIVERSIDADE NORDESTINA


Baobá, fé e mitos

Baobá na Vila de Nossa Senhora do Ó, em Ipojuca, é atração para
crianças e fonte de muitas histórias.
(Fotos José Pedro S.Martins)
A Vila de Nossa Senhora do Ó fica a poucos quilômetros do centro de Ipojuca, em Pernambuco. Quem vai passar uns dias em Porto de Galinhas, distrito de Ipojuca, geralmente passa na porta de Nossa Senhora do Ó e não sabe que lá tem um dos maiores baobás do Brasil, com 15 metros de circunferência. Consta que ele teria cerca de 350 anos, e que teria sido plantado ali por sacerdortes que vieram entre os escravos trazidos da África. Ali perto funcionou um dos portos de escravos que chegaram em massa ao país desde o século 17. O baobá é sagrado na África, um dos locais de origem desse gênero de árvores com seis espécies. E, claro, teria sido trazido ao Brasil como uma das formas de preservação dos valores da cultura africana, que foi fundamental para a rica mestiçagem cultural, étnica e religiosa do nosso povo. Muito significativos, então, os baobás trazidos desta forma para o território brasileiro - a maioria deles está justamente em Pernambuco. Diz a lenda que um deles, em Recife, teria sido a inspiração para o baobá que aparece em "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint Exupéry. Ipojuca passa por um momento de efervescência, em função das obras e empresas trazidas pelo Porto de Suape, que tem sua maior parte no município. Mas a preocupação com as raízes culturais é grande, e em 2009 foi criada a Primeira Semana do Baobá. As crianças da Vila de Nossa Senhora do Ó adoram contam histórias sobre a árvore, que estaria "de cabeça para baixo" e que, à noite, emitiria "sons estranhos". 
Mestra da linguagem 
   Estátua de Clarice Lispector, na praça Maciel Pinheiro,
centro histórico de Recife
As cercanias da praça Maciel Pinheiro, no centro histórico de Recife, fervilham de gente o dia inteiro. Bancos, bares, lanchonetes e outros comércios sempre lotados. Ali perto, na rua da Matriz, bairro da Boa Vista, está um dos principais sebos da capital pernambucana, onde é possível encontrar várias raridades. Nesse território cheio de significados fica localizado um monumento modesto, que pode passar, e provavelmente passa, desapercebido para as milhares de pessoas que ali circulam diariamente. É a estátua de Clarice Lispector, na praça Maciel Pinheiro, um dos pedaços queridos da infância da escritora. Nasceu a 10 de dezembro de 1920, em Tchetchelnik, na Ucrânia, e completaria portanto 90 anos se fosse vivia daqui a dois meses. Veio com a família cedo para o Brasil, com infância inicialmente em Maceió e já a partir de 1925 no Recife, onde viveu até 1935, quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Com obras como "A Hora da Estrela" (que virou filme premiadíssimo), "A via crucis do corpo", "A maçã no escuro" e "A paixão segundo G.H.", Clarice firmou-se com um estilo personalíssimo, de uma escrita enigmática, para muitos mística, mas acima de tudo de profunda reflexão sobre a condição humana. Faleceu a 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos, de câncer. "Seu estilo foi e continuará a ser a expressão pura de sua pessoa. Sem ter a mínima intenção de fazer surrealismo, de criar uma nova forma ou mesmo escola literária como fez André Breton. Clarice foi surrealista e supra-realista sem querer", afirmou Tristão de Athayde, em "Réquiem para Clarice", a respeito da morte da escritora. Quem lê Clarice hoje tem absoluta certeza de que ela está muito viva e continua instigante.
Água para que te quero 
Transporte de água de mina, ainda comum em vários pontos do Nordeste, como nesse lugar, na zona rural de Ipojuca, Pernambuco.

O Brasil tem 12,5% da água doce do planeta, mas a água ainda é escassa para muita gente no país. Todos sabem das dificuldades nesse sentido no Semi-Árido nordestino. Em outros pontos do Nordeste ter acesso a água de boa qualidade continua sendo um grande sonho. Até quando?

Tradição e modernidade 

Ciclovia ao lado de canavial em direção a Camela, distrito de Ipojuca, Pernambuco.

A cana-de-açúcar, como se sabe, foi o primeiro grande ciclo econômico brasileiro, e gerou a sociedade patriarcal tão bem comentada em livros como "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre. Ecos desse passado estão ainda muito presentes na zona rural de Pernambuco e outros estados nordestinos, totalmente tomada por canaviais. Ao lado de um deles, no distrito de Camela, em Ipojuca, foi construída uma ciclovia. Primeira ciclovia em canavial do Brasil, no momento em que o etanol da cana é visto como uma das alternativas energéticas para o século 21! É o Brasil e suas contradições. Camela é outro lugar de Ipojuca que sente os impactos da estruturação do porto de Suape, ali por perto. O importante é sempre conciliar preservação do patrimônio histórico e recursos naturais com os empreendimentos econômicos necessários para gerar renda. Vejam essa "escadinha" em Camela:

Escada em bairro popular de Camela, Ipojuca, Pernambuco:
 como o Brasil quer subir mais um andar? 


O mar, sempre o mar

Praia em Porto de Galinhas, Pernambuco: ouro azul para o Brasil 

O litoral nordestino é indiscutivelmente um dos mais belos do mundo. E passa no momento por um grande momento de euforia em termos de turismo e empreendimentos imobiliários. Grande oportunidade para geração de renda, mas é fundamental fazer tudo da forma mais equilibrada possível. Precisamos proteger esse "ouro azul", patrimônio do Brasil e do planeta. Os mares são absolutamente vitais, por exemplo, na captura do carbono emitido para atmosfera, além de ser o berço de milhares, provavelmente milhões, de belas espécies.  Em Porto de Galinhas, há um grande movimento hoje pela preservação dos cavalos marinhos, esse milagre divino e da natureza. São os machos da espécie que fertilizam os ovos postos pelas fêmeas. Os machos protegem os ovos em uma bolsa na base de sua bela cauda. Os filhotes têm a transparência da água, como o céu em noite clara na praia escura, quando é possível enxergar o coração do universo. Beleza e magia, na delicadeza da vida. (Por José Pedro S.Martins)     

UMA VIAGEM AOS DIAMANTES
DO FUTEBOL DE ITAMOGI


Por José Pedro Martins



Cena do I Bola & Viola em Itamogi, 10 de abril de 2011 

     Uma menina que, aos 15 anos, treina com o técnico da seleção mineira sub-17 de futsal. Um animado torneio regional reunindo futebol e viola e com arrecadação beneficente. Um ex-jogador que acabou se transformando em técnico vencedor, com um projeto social beneficiando dezenas de crianças e adolescentes. Longe da badalação e da máquina milionária na qual se transformou o futebol profissional, estão muito vivas em Itamogi, sudoeste de Minas Gerais, pérolas de um futebol que está na alma do brasileiro, que está encarnado em nossa cultura e movimenta sonhos, paixões e esperanças. Abaixo, alguns desses cristais, reluzentes no olhar de Julia, de Ivanir ou de João Ramos, um amante do futebol que ajudou a escrever uma das páginas brilhantes do esporte em Itamogi, a página do Juventus, um dos times que, ao lado do São Cristóvão, dos Marques e de tantas outras equipes, guardam os tesouros da história do futebol itamogiense. Um pedacinho, um parágrafo, uma sílaba do que representa o futebol para o Brasil.

A JOVEM QUE ESCALA
A EMOÇÃO NA QUADRA



Julia, 15 anos, o sonho entre as quatro linhas 

    São 13h10 de um domingo ensolarado em Itamogi. Julia está de olho no relógio. Às 14 horas ela irá para Passos, onde o seu sonho começa a se materializar, nas quatro linhas de uma quadra de futebol de salão. Não quer perder a hora, mas não hesita em conversar sobre o que leva uma jovem a mergulhar fundo nesse sonho, nessa esperança, nessa emoção sem nome que sente quando está lá, como fixa ou ala, não importa. "Meu Deus, nem consigo explicar", confessa. "É uma alegria sem fim", resume, afinal.
    Tudo começou cedo, por volta dos  8 anos. Para jogar futebol deixava tudo de lado. Ou quase, porque os pais sempre estavam lá, a orientando, a protegendo, a lembrando que a educação, a escola, deveria vir em primeiro lugar. Ela seguiu os conselhos, mas sempre que podia estava lá, na rua, no campinho, e logo na quadra, a bola nos pés, jogando com as amigas. Time de meninas, gotas de uma revolução cultural irreversível. Jessica, Daniela, Bruna, algumas das parceiras, outras guerreiras do futsal. 
    A modelagem do talento, a lapidação desse pequeno diamante que tantos brasileiros trazem no berço (o saber jogar futebol como se respira), veio no contato com o técnico Ivanir Assis, mais um desses personagens que ajudar a perpetuar o verdadeiro futebol, aquele que se joga no e com o coração (ver artigo abaixo). Ele ajudou a indicar caminhos, a mostrar como se faz e não se faz. "A Julia tem um enorme potencial. Ela tem um chute incrível", conta Ivanir, ciente de que a atleta que auxiliou está, agora, com o futuro nas mãos. Ou nos pés.
    O maior sucesso da dupla foi a participação da equipe de Itamogi nos jogos escolares de Minas, em 2007. A cidade ficou em quinto lugar, um grande feito, sem dúvida, muito comemorado. E uma grande dose de estímulo para Julia prosseguir em sua trilha. 
    Já são 13h30. Falta meia hora para a viagem a Passos. Julia já tinha brilhado em outras oportunidades, como quando jogou por Mococa nos Jogos Abertos do Interior, em Santos, em novembro de 2010. A equipe não foi tão bem, mas foi uma grande experiência, o contato com atletas praticamente do Brasil todo, na competição que já foi classificada de olimpíadas brasileiras.
   Mas a grande oportunidade foi, de fato, quando disputou um campeonato em Passos, também em 2010. Julia foi notada pelo técnico Vicente Campeiz, que acabou lhe convidando para treinar com ele. Claro, decisão, até aquele momento, mais dura da vida de Julia. E dos pais, com certeza. No início, a dúvida, a preocupação. Mas, como sempre, o apoio, por tudo que estava envolvido. "Claro que ficamos preocupados, mas apoiamos porque ela está tendo uma grande oportunidade, sobretudo pelo aspecto da educação. De qualquer forma será uma grande experiência de vida e o esporte faz muito bem para a saúde", diz a mãe, Delenir Vidoni Medeiros.
    Julia ganhou uma bolsa do Colégio Status, por quem passou a jogar, e também pela equipe oficial da cidade e, ainda, pelo Clube Passense de Natação. Mora com outras atletas. Agenda cheia. Academia, treinos e muito estudo. A garota está no segundo colegial. Mas, claro, logo sintetiza: "Está valendo muito à pena. Não tenho medo de perguntar quando não sei algo. E sei que ainda preciso aprender muito".           
    Em Passos, outra boa notícia. Logo depois de começar a treinar e estudar, a jogadora itamogiense soube que o técnico Vicente Campeiz foi indicado para treinar a seleção mineira que irá disputar o campeonato brasileiro sub-17, em julho, em Palmas, Tocantins. 



Os olhos firmes no futuro de Julia


    13h45. Agora são poucos minutos. E à medida em que chega a hora de partir, a emoção transborda. "Sinto muita falta dos meus pais, de Itamogi, mas vou em frente. Quero dar muito orgulho para meus pais, para a cidade", diz Julia, limpando lágrimas sutis no canto dos olhos.
    Ela entende que houve avanços, mas na sua opinião ainda existe algum preconceito em relação ao futebol feminino no país do futebol. Gosta de Marta e outras grandes jogadoras, mas é muito sincera ao declarar que não procura se espelhar em nenhum ídolo. "Nem vejo muito futebol na televisão. Gosto de aprender mesmo na quadra", afirma, os olhos brilhantes firmes no horizonte.
   O pai Célio chega. Em instantes Julia tem de seguir viagem. Ela acredita no futuro. E, no futuro não tão distante, crê em que o futebol  de salão pode se tornar esporte olímpico, nos jogos do Rio de Janeiro, em 2016. Daqui a cinco anos. Julia terá 20. Óbvio que ela espera estar lá e tem potencial para isso. O futuro dirá. O presente é o de, mesmo com a dor da separação da família, da sua cidade, ir para Passos, onde a chance da vida pode estar acontecendo. Julia Vidoni Medeiros, 15 anos, jogadora de futsal, já é uma campeã na vida.

NO TORNEIO DA SOLIDARIEDADE,
TODOS TIMES SÃO VENCEDORES


Equipes de toda região e vários bairros de Itamogi entraram em campo

     O campeão foi, oficialmente, o Corintinha, do bairro Queimados, vencendo na final ao Tapir A. Este foi o resultado oficial, nos números, do I Bola &Viola, realizado dias 3 e 10 de abril no Estádio Municipal de Itamogi. Foram 15 equipes, de várias cidades da região, se revezando nas partidas que levaram muita gente para as arquibancadas e outras acomodações. Nos intervalos, muita música. O torneio terminou sob forte chuva, no dia 10 à tarde, mas todos ficaram até o fim, para os agradecimentos e premiação. Campeão e vice ganharam um jogo de uniformes novinho em folha.
     Estes os dados gerais, registrados no papel, de um torneio que teve toda a estrutura necessária, inclusive uma ambulância para eventuais casos graves de lesões. Mas o I Bola & Viola foi muito mais do que isso. Foi um espetáculo de solidariedade, um exemplo de que o verdadeiro futebol continua pulsando nas pequenas cidades, na zona rural, nos poucos "campinhos" que sobreviveram à especulação imobiliária. Sobrevive, enfim, graças à paixão inesgotável do brasileiro pelo futebol. E sobretudo pelo amor de alguns brasileiros especiais, que dedicam grande parte de suas vidas ao esporte, muito longe dos holofotes e transações milionárias que envolvem o futebol profissional.



Netinho, cidadão dedicado ao esporte que produz saúde e muitas amizades 

     Algumas dessas pessoas estavam lá, nos bastidores e na organização do I Bola & Viola, promovido com um motivo especial: apoio financeiro para o caro tratamento nos olhos de Sebastião Cândido de Carvalho, o Netinho, ex-presidente da Liga Sul Mineira de Desportos. Um amante do esporte, um cidadão dedicado ao esporte como plataforma para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. "Nem consigo dizer o quanto estou agradecido", disse Netinho, no dia final do I Bola & Viola. "O esporte pode ajudar muito para deixar os jovens longe das drogas", pontuou Luis Arnaldo da Silva, o Pardal, atual presidente da Liga e ele mesmo por muitos anos treinador de futsal.
     O torneio organizado pela Liga Sul Mineira teve apoio total da Prefeitura de Itamogi. A secretária municipal de esportes, Sônia Vasconcelos, estava lá, cuidando de todos os detalhes. Ao seu lado, o coordenador de esportes, Ivanir Carlos de Assis, ele mesmo, o técnico que já ajudou Julia e tantos outros jovens atletas itamogienses. O esporte como gerador de amizades. Este o grande saldo, a lição maior, do I Bola & Viola, em Itamogi.

O EX-METALÚRGICO QUE AJUDA
A FORJAR CAMPEÕES NA VIDA 



Ivanir Carlos de Assis, ex-jogador que agora
ajuda a descobrir talentos e promover o esporte


      A camisa verde e aquele distintivo não deixam dúvidas. Ele é palmeirense da gema. Mas a parcialidade termina aí. Na beira do gramado ou nos lados da quadra, ele é de todos ou de todas. Ele é do esporte como um dos mais belos tesouros da vida. Ele é Ivanir Carlos de Assis, um ex-metalúrgico e ex-jogador de futebol (foi zagueiro no Operário de Campo Grande) que agora é técnico de todas as equipes de futebol de Itamogi, de campo e de salão. Um trabalhador do esporte, como outros espalhados Brasil afora.
     Natural de Garça, Ivanir sempre jogou futebol e chegou a atuar no principal time da capital do Mato Grosso do Sul. Durante muito tempo foi metalúrgico, tendo trabalhado na Voith, onde fez muitos amigos. Até hoje ele recebe apoio da empresa para algumas atividades esportivas em Itamogi. Chegou à cidade no início da década de 1990 e logo se envolveu de corpo e alma com o esporte.
     Recebeu e continua recebendo total apoio da Prefeitura, nas gestões de Osmair Martins e do atual prefeito, Janoário Arantes, para manter múltiplas atividades. Também coordena um projeto social, o Cascudo, atualmente com cerca de 180 crianças e adolescentes. São diversas modalidades esportivas, mas o futsal tem sido um dos mais destacados pelos resultados alcançados, como o quinto lugar nos Jogos Escolares Mineiros de 2007.
              

Ivanir e a secretária municipal de esportes de Itamogi, Sônia Vasconcelos


     O destino e suas surpresas. Ivanir confessa que, ao mudar para Itamogi, não tinha a menor ideia de que, depois da fábrica, se envolveria com o esporte. Mas abraçou a vocação que certamente tinha lá, à espera de florescer. Na prática, ele descobriu que, com apoio e boa vontade, é possível fazer muito pelo esporte, mesmo que não haja enormes recursos financeiros. A melhor saída? Casar esporte com educação, como é feito nos Estados Unidos, por exemplo.
     Para Ivanir, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 serão excelente oportunidade para multiplicar e fortalecer o esporte no Brasil de forma geral. "Mas desde que fique uma boa estrutura depois, e que seja realmente usada", observa o técnico, enquanto acompanha diretamente o I Bola & Viola em Itamogi. "Visamos dar oportunidade para as crianças, uma formação para a vida", resume o técnico, sobre o sentido último de seu trabalho. Ivanir, um operário que ajuda a construir campeões na vida.

UMA AVENTURA DELICIOSA
CHAMADA JUVENTUS

Alguns jogadores que brilharam pelo Juventus: Marquinho, Rubinho, Quico, Poeta, Horácio,
Zetinho, Sidney, Pedrinho, Beto, Tostão, Garça, Reis, João Branco

       Era amador, mas bem que podia ser profissional. Quando o Juventus pisava no gramado, com o uniforme grená em estado impecável, também entravam em campo a elegância e uma enorme paixão pelo futebol, por jovens que acima de tudo se divertiam muito com aquilo, mas sempre com muita disposição e responsabilidade. Durou apenas alguns anos, como aqueles cometas que brilham intensamente. Mas ficou na memória futebolística itamogiense e, sobretudo, no coração de todos que viveram aquela aventura, os jogadores principalmente. Mas também de pessoas como o autor destas linhas, que teve sua primeira experiência jornalística justamente acompanhando os passos do Juventus. Também, ruim de bola, só podia ficar mesmo à beira do gramado, caneta em punho.   
     A ideia original foi do João Ramos, sempre um inquieto agitador cultural. A inspiração foi o Juventus da rua Javari, em São Paulo, o "Moleque Travesso". Isto, apesar do João Ramos ser vascaíno roxo. Mas ele achava que Juventus era mais apropriado. Eram jovens no esplendor dos anos dourados. Um momento mágico, uma reunião de talentos, inteligência, vigor e fantasia. Primeira metade da década de 1970, auge da ditadura militar, e o futebol era uma válvula de escape, uma das poucas possibilidades de diversão e reunião naquela época.
    O clima na cidade, na véspera das partidas, era preparado a rigor pelo Vadico, dono do Cine Eden, um mestre em criar expectativas, em despertar emoções. Ao microfone, Vadico anunciava com quem o Juventus iria jogar, e se era em Itamogi mesmo ou em outra cidade da região. Assim, quando chegava a hora da partida, o ambiente já estava criado.
    Ainda na véspera, os atletas iam à missa, convocados pelo João Ramos. "E fulano está aí? O Beltrano já chegou?", ele perguntava. Durante algum tempo, antes das partidas os jogadores tomavam um cafezinho preparado pela Dona Dirce, mãe do Quico. O Juventus era assim, um estilo de vida. Depois João Ramos deixou a direção da equipe, que passou às mãos do João Lemes. Mas a aventura continuava.
     Uma das "pedreiras" foi o jogo contra um time da zona rural de Monte Santo de Minas. Apenas quando já estavam em campo os jovens itamogienses viram que, do outro lado, estava uma equipe de adultos, muito forte fisicamente. Entre os titulares do time adversário, um jogador chamado Luizão, que se tornou uma lenda regional pelo seu vigor. 
     Foi um jogo duríssimo, mas o Juventus conseguiu um empate heroico, em 3 a 3, com gols de João do Quinca e Antonio Aparecido Soares, o Toinho, o maior goleador da historia da jovem equipe. Não era raro o caso em Toinho fazia dois, três gols por partida. Chute fortíssimo, o centroavante tradicional, que jogava dentro da área, enfiado entre os zagueiros.
     Na volta, o Juventus ganhou, no estádio municipal de Itamogi, de cinco a zero do time de Monte Santo, que jogou sem Luizão e muitos dos adultos que atuaram na ida. E depois do jogo, como sempre acontecia,  todos jogadores vestiam as suas "roupas de domingo" e, como boa parte da população itamogiense, se sentavam nos bancos da praça São João Batista, para novamente ouvir o Vadico. Desta vez, o radialista nato comentava o jogo, quem foi bem, quem não foi, os autores dos gols e outras informações. Após os comentários obrigatórios, o programa do final se completava, com o guaraná pago pelo Milagrino, pai do goleador Toinho.
     O momento máximo do Juventus foi o título no primeiro campeonato regional realizado na cidade. Título inesperado, pela idade dos jogadores, que deram tudo. Logo depois a aventura Juventus terminava, e muitos de seus jogadores acabaram participando do grande time principal do São Cristóvão. Houve até a oportunidade para alguns dos juventinos atuarem em equipes profissionais. Caso de João Branco, capitão da equipe por muito tempo. Estava praticamente tudo certo para ele treinar no Botafogo de Ribeirão Preto. Era um zagueiro clássico, alto, com porte adequado para a posição. Mas não teve jeito. A mãe o convenceu a permanecer em Itamogi.            
     Muitos jogadores passaram pelo Juventus: Roberto Robuste e Liduário no gol, Zetinho, Peri, João Branco e "Antônio do Padre" na zaga, Eduardo, Poeta, Airton e Vagner no meio, Kico, Toinho e Poeta no ataque. Mas também jogaram: Marquinho, Horácio, Rubinho, Osvaldo, Olivio, Ricardo, Pacido, Paulo Florêncio, Zetinho, Beto, Daniel, João Bosco e vários outros.
     Jovens privilegiados, que participaram dessa bela página do futebol de Itamogi. Uma história escrita por muitos outros times históricos, como a tradicional equipe dos Marques, mas também Pinheirinho, Cerrado, Tapir e, claro, o São Cristóvão de momentos excepcionais. O futebol que ainda é praticado em sua essência, em Itamogi e em todo interior do Brasil. É onde a paixão pelo esporte nacional se alimenta, dia a dia, longe dos holofotes, badalações e transações milionárias em que se transformou o futebol. 

OUTROS MOMENTOS MÁGICOS
        DO FUTEBOL DE ITAMOGI 

Abaixo, outras equipes e cenas que estão na história do futebol de Itamogi. BELA REGIÃO agradece o grande apoio de Chiquinho, em sua época um belíssimo jogador, que brilhou em várias equipes, com dribles curtos e passes mágicos.  



Time do Cerrado, que venceu o campeonato que inaugurou o Estádio Municipal de Itamogi, junto com o prefeito José Miro Soares "Zequinha": Vitinho, Osmarzinho, o goleiro, Caiao, Edmar, Miguel, Luiz, João do Badiu, Dito, Milton, José Loguércio "Nino", Canarinho, João Preguinho e Zé do Ladino   


      
Time da Lagoa, que participou do torneio que inaugurou o Estádio Municipal de Itamogi




Equipe da Gabiroba, que também participou do mesmo torneio histórico
                                      

Equipe do Machado que participou do torneio e que contou com
 nomes como Horácio, Lair Pedro, Airton e Oswaldo Simone



Time do Banco Itaú, formado por funcionários da agência de Itamogi e alguns amigos. Claro, time não treinava durante a semana, mas jogava, e bem, aos sábados. Na foto, de 19 de abril de 1983: Lerão, GIlberto, Zetinho, Luiz, Olivio, Zé Vitor e Totonho (em pé); Peri, Airton, Roberto, Chiquinho, Lair e Dr.Xavier.



Uma das grandes formações do São Cristóvão, que em maio de 1979 foi vice-campeão de forte torneio regional em Itau de Minas: Carlos Simone, Albano (dirigentes), Luiz, Roberto, Ditinho, Totonho, Jorge, Jipinho, Donizete, Márcio, Zé Loirinho e Dé (técnico), em pé; Jair, Carlinho, Dinho, João do Quinca, Lair Pedro, Nelinho, Claudinei, Chiquinho, Nenzinho (massagista) e Chiquinho do Oswaldo (mascote), sentados.  (Foto do Jair fotógrafo)



Juvenil do São Cristóvão, também chamado de "Mineirinho" e que geralmente fazia a preliminar dos jogos do Juventus: Carlos Simone (dirigente), Alexandre (técnico), Rato, Vanderlei, Miguel, Jaime e Claudinei (em pé); Chiquinho, Acácio, Batata, Dinho, Zé Rubens e Robinho. Foto de 3 de junho de 1977


(Infelizmente não identifiquei o autor de quase todas as fotos históricas acima para dar o crédito. Que ele se manifeste, por favor!)