terça-feira, 1 de novembro de 2011

Brasil poderia ser mais ousado em suas propostas para a Rio+20

Biodiversidade torna o Brasil um dos países mais ricos, se não for o mais rico, em termos de recursos naturais, e por isso deve liderar movimento global por sustentabilidade





Por José Pedro Martins


Negrito
Há poucas horas o governo brasileiro divulgou o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, contendo as propostas do Brasil para a reunião que acontecerá no Rio de Janeiro, em junho de 2012. Claro, propostas oficiais, sacramentadas pelo governo brasileiro, após ouvir vários setores sociais e as próprias áreas da administração pública. Algumas propostas importantes estão contidas no documento, mas sem dúvida elas poderiam ser muito mais ousadas em vários segmentos. As propostas estão naturalmente relacionadas aos grandes temas da Rio+20, que são a erradicação da pobreza, a construção de uma Economia Verde e a arquitetura de uma governança adequada para a sustentabilidade global.


Entre as propostas, a constituição de um Programa de Proteção Socioambiental Global. Inspirado no Bolsa-Família e outras ações de proteção existentes no Brasil, seria um programa destinado a garantir que todos os habitantes da Terra tenham "qualidade ambiental, segurança alimentar, moradia adequada e acesso à água limpa para todos", buscando sobretudo superar a pobreza extrema.


Na Rio+20, seriam indicados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, semelhantes aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). Longe das negociações complexas em torno de temas e metas restritas, como as atuais nas grandes conferências e convenções internacionais, seriam indicados objetivos "em áreas em que haja grande convergência de opiniões e que possam dar ímpeto e guiar os países rumo ao desenvolvimento sustentável". Na prática, uma simplificação da Agenda 21 global, já aprovada em 1992, na Eco-92, e que era um roteiro viável e muito razoável para a comunidade internacional seguir, rumo à sustentabilidade. Não foi seguido, a situação ambiental de modo geral só piorou nas últimas décadas, e agora o Brasil propõe mais ou menos uma simplificação do que foi indicado na Agenda 21.


Outras propostas, o Pacto Global para Produção e Consumo Sustentáveis, o incentivo às Compras Públicas Sustentáveis (governos comprando produtos comprovadamente sustentáveis, induzindo práticas positivas em outras áreas), Classificações de Consumo e Eficiência Energética (com o uso de selos, para o consumidor-cidadão estar sempre atento ao que está comprando) e maior Financiamento de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento Sustentável (meta muito boa para o Brasil, que investe em torno de 1% do PIB em ciência e tecnologia, muito menos do que outros países).


Um Repositório de Iniciativas (espécie de banco de boas práticas), um Protocolo Internacional para a Sustentabilidade do Setor Financeiro (muito importante no momento atual), Novos Indicadores para Mensuração do Desenvolvimento (igualmente necessários, pois os tradicionais PIB e IDH não conseguem medir a totalidade das implicações do desenvolvimento sustentável) e um Pacto pela Economia Verde Inclusiva são também citados. O incentivo a Relatórios de Sustentabilidade e desenvolvimento de Indicadores de Sustentabilidade são propostos.


Em termos de governança, proposto um Mecanismo de coordenação institucional para o desenvolvimento sustentável, a transformação do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) em Conselho de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o fortalecimento do PNUMA e lançamento de processo negociador para uma convenção global sobre acesso à informação, participação pública na tomada de decisões e acesso à justiça em temas ambientais. Propostos igualmente a participação de ONGs em processos multilaterais e o fortalecimento de um sistema de gerenciamento de recursos hídricos na esfera da ONU.


Muitas propostas são importantes e necessárias, mas o Brasil, sede pela segunda vez da maior conferência ambiental e social, poderia ser mais ousado. Indicando por exemplo a constituição de um Tribunal Penal Internacional para crimes ambientais, a exemplo do que ocorre com crimes em direitos humanos; a inclusão de um ambiente saudável para todos, para as atuais e futuras gerações, na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos; um grande plano global para estimular a educação para a sustentabilidade, essencial para a construção de um novo estilo de vida e modelo de desenvolvimento; a confirmação de que os recursos da biodiversidade devem ser de fato utilizados de forma sustentável, e em primeiro lugar em benefício dos moradores das comunidades locais; a ratificação de que a água deve ser direito de todos, um direito universal, e não pode ser de forma alguma privatizada; medidas enérgicas para coibir tanto o tráfico internacional de seres humanos como de residuos e outros produtos perigosos; uma condenação explícita da corrida armamentista, que voltou a crescer e que é um dos fatores da insustentabilidade global.


Por ser o país que sediará os dois mais importantes eventos esportivos em um espaço de dois anos, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil também poderia enfatizar na Rio+20 a necessidade do esporte ser uma plataforma para o desenvolvimento sustentável. Claro, muito mais poderia ser dito, não dá para propor tudo em uma conferência desse porte, mas dava para o Brasil sugerir saltos maiores.


Muitos analistas que acompanham há anos as conferências da ONU entendem que a cada edição os objetivos diminuem e as perspectivas de mudança efetiva ficam esvaziadas. A declaração final da primeira Conferência, a de Estocolmo, de 1972, tem princípios considerados muito mais avançados e transformadores do que os próprios resultados da Eco-92, de 1992. "Devem ser eliminados os armamentos de destruição em massa" foi um dos princípios aprovados em Estocolmo, ao lado da condenação do colonialismo. Tomara que a Rio+20 não siga o roteiro de diluição. (José Pedro Martins é jornalista e escritor, autor entre outros livros de "Terra Cantata - Uma história da sustentabilidade" e "Década Desperdiçada - O Brasil, a Agenda 21 e a Rio+10")

Nenhum comentário:

Postar um comentário